terça-feira, 13 de abril de 2010

Comerciantes se despedem do Beco

No último dia de transferência de permissionários do velho Beco da Poeira para o novo endereço, na avenida do Imperador, ambulantes despedem-se, a sua maneira, do equipamento. Na hora de deixar o Beco, o olhar derradeiro é melancólico
Segunda-feira, 11 horas. No labirinto de ruazinhas do Beco da Poeira, o maior centro de comércio informal do Ceará, Neli de Oliveira, de 25 anos, assiste ao desmonte de uma estrutura que, por duas décadas, abrigou mais de dois mil permissionários. Ontem, os últimos boxes foram esvaziados.

De pé, desviando-se do lixo abundante e saltando os fios que ligam maçaricos às tomadas, a comerciante parece desolada. ``É uma sensação de vazio, de perda. É como mudar de casa``, diz, e volta a empacotar as sandálias e sapatos que ainda restam. Antes, admite: ``Mas isso pode ser apenas medo do novo mesmo``.

O novo, nesse caso, fica do outro lado da praça da Lagoinha, na avenida do Imperador. Lá, um Beco da Poeira simpático, azul celeste e branco, com pilhas de cerâmica espalhadas, espera os 2.030 vendedores cadastrados pela Prefeitura de Fortaleza. A transferência para o endereço se encerrou ontem. Na próxima sexta-feira, 16, o Beco reabre. Agora como Centro de Pequenos Negócios, como passa a se chamar.

No outro Beco, já antigo, Iranilde Menezes, 32, gruda-se a uma imagem derradeira. Comerciante há oito anos, ela passa a vista sobre aquilo que havia sido a sua loja. Como a espantar um rastro de melancolia, assume: ``Não vou deixar meus cadeados``. Ela os guarda na bolsa que leva a tiracolo.

Em todo o espaço, sons estridentes de alumínio sendo rasgado, marteladas. Grupos de ambulantes arrancam grades, ventiladores. O ferro é retirado com a ajuda de um maçarico. Bancos de lanchonetes são retirados a golpes de pé de cabra. Faíscas cortam o ar.

Aos poucos, o Beco da Poeira vai sendo reduzido a entulho. Jércoles Gomes, 27, acompanha a desmontagem de uma das barracas. ``É doloroso. Nos dois últimos dias, muita gente chorou aqui.`` Para o jovem, que cresceu fazendo bicos para comerciantes dali, mesmo desorganizado e sem estrutura, o velho Beco ``era uma mina de ouro``.


E-Mais

>Enquanto circulava no Beco da Poeira, a reportagem do PORTAL FM JOÃO XXIII ouviu queixas de permissionários. João, por exemplo, um homem de 71 anos, disse estar preocupado. Ele queria ir para o prédio que chama de ``Esqueleto``, a menos de um quarteirão dali. Maria Nazaré de Aguiar Freitas, há seis anos no Beco, também preferia mudar-se para o lugar. ``Eles (a Prefeitura) nos expulsaram. Despejaram.``

>No ``Esqueleto`` - o nome faz referência à estrutura inconclusa do que, supostamente, deveria ser o novo Beco da Poeira -, um grupo formado por cerca dez famílias permanece acampado. PORTAL FM JOÃO XXIII esteve no local, que não tem condições de higiene, está repleto de lixo e vazamentos. Lá, uma viatura do Ronda do Quarteirão impedia a entrada de novos ambulantes.

>Helena Ferreira, 49, é permissionária do Beco e está acampada há 72 horas no ``Esqueleto``. ``Praticamente não dormi. Saí apenas de madrugada para ir tomar banho em casa e depois voltei. A gente tem que voltar antes das 4 horas da manhã.`` Também no local, um grupo de mulheres faz greve de fome. A greve, elas dizem, foi iniciada no último sábado.

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